segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Auto-re-trato

Magia: um poder que saía pelas minhas mãos,
mas que nem sai mais.
O céu e o inferno que existem dentro de mim,
mas que nem existem.

Dois olhos: um, que é o sol; o outro,
que é a lua.
Dois braços: um, que é o peixe branco; o outro,
o peixe negro.

Pés que alternam jangada e charrete.
Coração, que é moinho e vento.

Pensamentos: nebulosos
como nebulosas.

Amanheço no mesmo instante que minha estrela-mãe se põe.
Chovo, ao mesmo tempo em que o sol ainda brilha:
arco-íris!

Ser feliz é um estado de não-ser;
uma sabedoria de compreender a tristeza.

Bato numa porta: atendo.
Eu também sou o mordomo,
eu também sou o Senhor.

Aviso-me que eu mesmo venho vindo conquistar minha morada.

Uma parte de mim quer guerra; outra parte, quer paz.
Que parte de mim que erra, eu já nem me importo mais.

Puxo um cobertorzinho: a noite é longa,
o tempo é frio.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Poema sem linha reta

O mundo caminha torto segue linhas tortas segue segue
chega sempre reto
ponto

Nossa mente curva turva nosso corpo recurvado curva do mundo
é que faz o mundo reto torto torto reto
ponto

reta

plano

Falta-nos um plano
astral que nos falta
Falta-nos um mapa
astral que nos falta

Falta-nos uma luneta
Quero do mundo apenas ver a lua
ter a lua em minha cara
ser a cara da lua
ser o sorriso da lua
ser o lado escuro da lua

Ser lua no momento em que há um eclipse
Ser lua como se a lua fosse ser humano
ser satélite

Ser cheio da lua cheia da lua feia da lua bela da lua velha
da lua nova
da lua novamente lua
nova mente lua
mente lua
toda lua
toda nua
mente nua

mente crua

mente cruamente mente
simplesmente
sem nada a oferecer
sem nada a florescer
sem nada mais a ser
a não ser mente
simples mente
mentecaptamente
mentecapta mente

mente capta mente
além da mente
mente que unicamente mente
ser mente
semente de mente
demente semente
sem mente
sem lua
sem nada
crua
crua mente
cruamente

crua

domingo, 3 de outubro de 2010

Encruzilhada

Talvez seja o momento de esperar pelo retorno do avatar;
sentar numa mesa de bar e ficar tomando um chopp,
jogando porrinha e bilhar,
à espera das bestas do apocalipse.

Quem sabe, não seja o momento de encontrar seu lugar no mato;
de partir, levando consigo apenas um celular e um i-pod,
para uma cabaninha na floresta ao lado do condomínio de luxo
afastado da cidade.

É possível que, na verdade, seja a hora de comprar uma AK-47
na mão de prestativos traficantes de armas,
invadir o congresso e chegar metralhando geral.
Tudo bem, eu sei, isso é meio precipitado:
metralhar só quem ficasse na frente das balas.

Por mais estranho que pareça, talvez seja tempo de seguir a vida,
leve e leviana, plácida e pérfida,
do jeitinho mesmo que temos seguido:
virando o rosto quando a miséria se nos mostra na rua;
engrossando a vista quando a injustiça surge diante de nós;
buscando qualquer prazer paliativo para a dor e a angústia.

Talvez seja o momento de puxar o gatilho contra a boca;
de trazer o mendigo para morar em nossa casa;
de construir uma nova arca.
Talvez seja a época de brincar com crianças nos parquinhos;
de visitar velhinhos sozinhos em asilos;
de fundar uma nova religião.
Talvez seja o instante de plantar uma árvore.

Talvez não seja tempo de nada.
Venha, venha:
vamos continuar urdindo nossos sonhos,
nossos ventos, nossas metas,
nossos destinos,
sem nem olhar a paisagem da janela.

Esqueçamos os momentos ideais,
as escolhas sem retorno,
as encruzilhadas.
Esqueçamos o inesquecível,
perdoemos o imperdoável,
compreendamos o incompreensível.
Se há uma hora certa a chegar, ela com certeza nos dará um aceno.

Venha, venha:
vamos continuar seguindo o redemoinho.

sábado, 10 de julho de 2010

Poema convocativo

Boa noite, boa tarde ou muito bom dia,
Senhoras e senhores, peixes e crustáceos,
Demais invertebrados, algas e cetáceos.
Creio que é hora de deixar a poesia,
Desde há tempos esquecida e abandonada,
Retomar seu lugar na paisagem molhada.

Aglomerem-se todos diante do meu bar,
E vamos brincar de sonhar uma vez mais
Aqueles sonhos bons que ficaram pra trás,
Dissipados como simples fumaça pelo ar -
Mas que ainda nos fazem navegar por aí,
Escondidos, sem terem deixado de existir.

Peixes e crutáceos, senhoras e senhores,
Eis que agora posso e devo declamar,
Em forma de poema, os meus loucos temores,
Os mais belos amores, desde que há o mar -
E de tudo que é mistério neste oceano,
Devo retirar o véu que incita ao engano.

Sei que muitos de vós não me entenderão.
Outros, porém, saberão que o que declamo
É tão somente o que demanda o coração -
Que sabe que quando faço aquilo que amo,
Torno-me uno com a vontade da Natureza
(A secreta razão por trás de sua beleza).